sexta-feira, 7 de novembro de 2014

VOCÊ NÃO DEPENDE DO FUTEBOL DE MESA PARA VIVER, MAS VIVE MELHOR COM ELE


Publicado no boletim K ENTRE NÓS nº 19, de outubro de 1982


Perguntaram-me, um certo dia, porque eu me dedicava ao futebol de mesa, em detrimento de outro esporte mais conhecido/divulgado?
Se eu fosse um sociólogo, explicaria, em brilhante conferência, que a popularidade do futebol de mesa expressa a vocação inata dos povos para a legalidade, a igualdade e a liberdade, o que não deixa de ser uma argumentação astuciosa e divertida. O futebol de mesa como uma sociedade modelo, governada por leis nem sempre claras, mas simples, que todos entendem e acatam, e cuja violação acarreta castigo imediato para o culpado!
Ainda bem que a faculdade onde estudo obrigou-me a comparecer a somente dois semestres da matéria Sociologia e, portanto, não encaro o futebol de mesa por este ponto de vista.
Em minha concepção, a mesa é um espaço igualitário, que exclui todo favoritismo ou privilégio, onde cada um vale pelo que é, por sua destreza, empenho, engenho e eficácia. Nem o sobrenome, nem o dinheiro, nem as influências contam o mínimo para marcar gols e merecer os aplausos ou vaias dos espectadores.
Tivesse o meu questionador a oportunidade de presenciar os momentos anteriores de um campeonato brasileiro de futebol de mesa e, talvez, entendesse um pouco mais a minha posição.
Os signos positivos: sol radiante, um céu claro (muitos perguntarão o que têm a ver com o futebol de mesa), uma impressionante e multicolorida multidão em torno de mesas, representantes de quase todos os Estados do Brasil. Uma atmosfera festiva e entusiasmada, que segue com aplausos o espetáculo de apresentação das delegações.
Claro que este é um mundo bastante mais simpático e agradável que o outro, o que ficou por fora desse ginásio e dessa gente que capricha no “desfile”. Guerra, inflação, injustiça social, violência, relegadas por um campeonato de futebol de mesa a um segundo plano na atenção dos espectadores que, nos próximos dias, viverão presos unicamente aos passes e chutes disparados por estes botonistas.
Talvez a explicação deste prodigioso fenômeno, a paixão pelo futebol de mesa seja, na realidade, muito menos complicada do que supõem os sociólogos e psicólogos da vida, que tentam interpretá-la, e consista simplesmente em que o futebol de mesa ofereça às pessoas algo que quase não têm: uma ocasião de se divertir, de se entusiasmar, de se exaltar, de viver emoções intensas, que a vida cotidiana raras vezes lhe oferece.
Querer divertir-se, passar um momento agradável, é a mais legítima das aspirações, um direito tão válido como o de querer comer e trabalhar. Por múltiplas e seguramente complexas razões, o futebol de mesa veio a cumprir esta função no mundo de hoje com mais êxito e universalidade que outro esporte qualquer.
A nós, que gostamos do futebol de mesa, não nos surpreende em absoluto a posição que ele alcançou entre os espetáculos de diversão. Mas há muitos que não o entendem e, além disso, o deploram. O fenômeno lhes parece lamentável porque dizem que o futebol de mesa aliena e empobrece intelectualmente a multidão, distraindo-a dos assuntos importantes. Os que assim pensam esquecem que divertir-se é um assunto importante.
Esquecem também que o que caracteriza a diversão, por intensa e absorvente que seja (e uma boa partida de futebol de mesa o é em alto grau), é ser efêmera, intranscendente e inócua. Uma experiência na qual o efeito desaparece ao mesmo tempo que a causa, o futebol de mesa, para os que dele desfrutam, é amor à forma. Um espetáculo que não transcende o corporal, o sensorial e a emoção instantânea. E que, ao contrário do que ocorre com um livro ou uma peça, deixa apenas traços na memória e não afeta em nada o conhecimento, nem para enriquecê-lo, nem para deteriorá-lo. Nisto reside o seu encanto: em ser emocionante e vazio.
E agora basta, vai começar mais uma rodada, chega de escrever, vamos nos divertir um pouco.
José Ricardo Caldas e Almeida

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