Publicado
no boletim K ENTRE NÓS nº 19, de outubro de 1982
Perguntaram-me, um certo dia, porque eu me dedicava ao futebol de mesa, em
detrimento de outro esporte mais conhecido/divulgado?
Se eu fosse um sociólogo, explicaria, em brilhante conferência, que a
popularidade do futebol de mesa expressa a vocação inata dos povos para a
legalidade, a igualdade e a liberdade, o que não deixa de ser uma argumentação
astuciosa e divertida. O futebol de mesa como uma sociedade modelo, governada
por leis nem sempre claras, mas simples, que todos entendem e acatam, e cuja
violação acarreta castigo imediato para o culpado!
Ainda bem que a faculdade onde estudo obrigou-me a comparecer a somente dois semestres
da matéria Sociologia e, portanto, não encaro o futebol de mesa por este ponto
de vista.
Em minha concepção, a mesa é um espaço igualitário, que exclui todo favoritismo
ou privilégio, onde cada um vale pelo que é, por sua destreza, empenho, engenho
e eficácia. Nem o sobrenome, nem o dinheiro, nem as influências contam o mínimo
para marcar gols e merecer os aplausos ou vaias dos espectadores.
Tivesse o meu questionador a oportunidade de presenciar os momentos anteriores
de um campeonato brasileiro de futebol de mesa e, talvez, entendesse um pouco
mais a minha posição.
Os signos positivos: sol radiante, um céu claro (muitos perguntarão o que têm a
ver com o futebol de mesa), uma impressionante e multicolorida multidão em
torno de mesas, representantes de quase todos os Estados do Brasil. Uma
atmosfera festiva e entusiasmada, que segue com aplausos o espetáculo de apresentação
das delegações.
Claro que este é um mundo bastante mais simpático e agradável que o outro, o
que ficou por fora desse ginásio e dessa gente que capricha no “desfile”.
Guerra, inflação, injustiça social, violência, relegadas por um campeonato de
futebol de mesa a um segundo plano na atenção dos espectadores que, nos
próximos dias, viverão presos unicamente aos passes e chutes disparados por
estes botonistas.
Talvez a explicação deste prodigioso fenômeno, a paixão pelo futebol de mesa
seja, na realidade, muito menos complicada do que supõem os sociólogos e
psicólogos da vida, que tentam interpretá-la, e consista simplesmente em que o
futebol de mesa ofereça às pessoas algo que quase não têm: uma ocasião de se
divertir, de se entusiasmar, de se exaltar, de viver emoções intensas, que a
vida cotidiana raras vezes lhe oferece.
Querer divertir-se, passar um momento agradável, é a mais legítima das
aspirações, um direito tão válido como o de querer comer e trabalhar. Por
múltiplas e seguramente complexas razões, o futebol de mesa veio a cumprir esta
função no mundo de hoje com mais êxito e universalidade que outro esporte
qualquer.
A nós, que gostamos do futebol de mesa, não nos surpreende em absoluto a
posição que ele alcançou entre os espetáculos de diversão. Mas há muitos que
não o entendem e, além disso, o deploram. O fenômeno lhes parece lamentável
porque dizem que o futebol de mesa aliena e empobrece intelectualmente a
multidão, distraindo-a dos assuntos importantes. Os que assim pensam esquecem
que divertir-se é um assunto importante.
Esquecem também que o que caracteriza a diversão, por intensa e absorvente que
seja (e uma boa partida de futebol de mesa o é em alto grau), é ser efêmera,
intranscendente e inócua. Uma experiência na qual o efeito desaparece ao mesmo
tempo que a causa, o futebol de mesa, para os que dele desfrutam, é amor à
forma. Um espetáculo que não transcende o corporal, o sensorial e a emoção
instantânea. E que, ao contrário do que ocorre com um livro ou uma peça, deixa
apenas traços na memória e não afeta em nada o conhecimento, nem para
enriquecê-lo, nem para deteriorá-lo. Nisto reside o seu encanto: em ser emocionante
e vazio.
E agora basta, vai começar mais uma rodada, chega de escrever, vamos nos
divertir um pouco.
José Ricardo Caldas e Almeida
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