segunda-feira, 21 de agosto de 2023

O MAGO DOS GOLEIROS E DOS TIMES (in memoriam)


A primeira recordação que tenho do Juarez foi num torneio em Juiz de Fora. Lá estava aquele negro bonachão, esparramado nas arquibancadas do ginásio, cercado por vários botonistas interessados em comprar times e goleiros que ele tão bem fabricava.
Torneiro aposentado, como ele mesmo se definia, largou a profissão para se dedicar aos botões. Como todos os outros fabricantes, às vezes enrolava as entregas, atrasando os pedidos, para desespero dos novatos, que esperavam ansiosos pela chegada do que consideravam um presente dos deuses.
Meu primeiro goleiro, o Humberto "original", foi confeccionado por ele. Era todo transparente, com duas pequenas faixas verticais em vermelho e preto (logo eu, um tricolor fanático, com um goleiro que mais poderia representar o arquirrival Flamengo). Custou 20 (qual era a moeda da época, começo da década de 1980? Cruzeiro, cruzado, cruzado novo? Não me lembro). Mas foi o Humberto o grande responsável pelo maior título da história do meu time, o Chorare: o de campeão brasileiro adulto individual em 1983, numa final histórica contra o Zé Ricardo Lage, no Ginásio de Caio Martins, em Niterói, num campeonato que reuniu 64 botonistas. Na semifinal, eliminei o João Paulo Mury (então presidente da CBFM, figura que, até hoje, faz muita falta ao movimento) e joguei a decisão com o Zé Ricardo. O tempo normal acabou 1 x 1. Na prorrogação, nova igualdade: 1 x 1. Nos pênaltis, cinco cobrados consecutivamente, fui o primeiro a bater. Na primeira série, fiz quatro gols e perdi o último. O Zé Ricardo foi para as cobranças e marcou os quatro primeiros. Bastava converter o último para ser o campeão. Aí surgiu o Humberto, que defendeu o chute. Nova série, e novamente perdi uma cobrança. Na vez do Zé Ricardo, ele também desperdiçou uma, provocando o segundo empate por 4 x 4. Na terceira série, avisei ao meu adversário: Vou marcar os cinco. E foi o que ocorreu. Antes de bater o seu primeiro pênalti, Zé Ricardo me disse, baixinho: quero ser o primeiro a te cumprimentar. E o Humberto, como se tivesse asas, defendeu a cobrança, o que me deu a vitória por 5 x 0.
Em outros torneios, lá estava o Humberto a fazer defesas impressionantes. Como se as mãos calejadas do Juarez ajudassem aquele simples pedaço de acrílico a se transformar num Castilho (maior goleiro que vi jogar, defendendo o Fluminense e o Brasil) e defender bolas impossíveis.
A maioria dos botonistas do Rio de Janeiro, no começo da regra dos 3 Toques, usava os times confeccionados pelo Juarez. Um dos maiores campeões da nossa regra, o Bruno de Castro, usa até hoje um time feito pelo Juarez, que não troca por nenhum outro mais "moderno". Seu pai, o Josué, que também perdemos recentemente, jogava com um time do Juarez.
Outra história interessante que me remete ao Juarez foi novamente num campeonato em Juiz de Fora. Ele estava vendendo vários goleiros e um me chamou a atenção: era cor de abóbora, com duas faixas pretas na vertical. Era perfeito para o time do saudoso Walter Morgado. Não tive dúvida: comprei o goleiro e presenteei meu amigo de Brasília. Mas, no jogo seguinte do Walter, notei que ele não colocou o goleiro para jogar. Fiquei decepcionado e, depois do fim da partida, fiz a pergunta: "Walter, você não gostou do presente?" "É claro que gostei." Mas por que você usou o goleiro antigo?" “Porque o que você me deu não estava treinado...", disse, com um sorriso maroto.

Benjamin Abaliac (em agosto de 2013)

Nota: 
No último dia 19 de agosto completou dez anos que nosso amigo Juarez Reis faleceu.



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